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ROCK > Entrevistas

Sérgio Buccini

Por: Luis Roberto T. Costa
Musical Sun, São Paulo-Brasil, data: 27/02/2008

INTRO:
Foi no período Renascentista que a humanidade deu um grande avanço na construção dos instrumentos musicais para se chegar na era atual, e o Brasil atualmente tem evoluído e se desenvolvido muito neste sentido.
Neste bate-papo descontraído, com Sérgio Buccini, luthier renomado atuante na cidade de São Paulo, tivemos a oportunidade de levar aos nossos leitores um pouco mais sobre a arte, tão importante ao papel do músico, de se fazer e regular instrumentos musicais.

Sérgio Buccini-foto tirada por: Luis Roberto T. Costa
1) Como foi o seu primeiro contato com a música? O que a música representa em sua vida?
Sérgio Buccini: O meu primeiro contato com a música foi dentro de casa, porque a minha mãe era uma exímia pianista, tocava muito bem, não era profissional, não exercia como profissional, mas tocava muito, então, eu já nasci ouvindo música clássica. Era muito comum minha mãe sentar ao piano e tocar pra gente, então a coisa da música veio daí, com certeza veio daí e ficou.
Meu pai também era uma pessoa muito musical, ele teve uma formação muito simples, mas sempre foi um homem muito aguerrido, muito batalhador, tanto é que quando ele praticamente se aposentou não parou de trabalhar, começou a estudar música, estudou piano, violão, cantava em coral, e foi até os últimos dias de vida fazendo isso.
Estes foram os fatores que mais me levaram a gostar de música.
E também o meu avô em Portugal tocava Bandolim, fazia o Bandolim lá em Portugal, tanto é que eu tenho ferramentas dele até hoje, e que eu uso ainda. Agora, quando eu tinha mais ou menos uns 12 anos, uma irmã minha com uma grande diferença de idade, pois ela é bem mais velha do que eu, me trouxe um disco dos Beatles, e eu ouvi o disco e falei: “Eu gosto disso”, então eu comecei a trocar os discos de história infantil por discos de rock ‘n roll, e não parei nunca mais.
Eu e o Giuseppe que está aqui (Obs: Giuseppe é um grande amigo de Sérgio), somos testemunhas vivas de todo este movimento, ou seja; comecei a ouvir música antes de Woodstock só pra você ter uma idéia, mas isto começou com Beatles, depois é que passei a ouvir alguma coisa de Creedence, Rolling Stones, Sugar Loaf, umas coisas assim que eram essas vertentes do rock, e foi assim, e nunca mais parou.
E a música representa tudo em minha vida, porque eu não faço nada mais sem música. O silêncio é bom pra você meditar, aliás o silêncio também é música, bem lembrado (referindo-se ao Giuseppe), e a música representa tudo, porque eu não sou músico, o que eu toco eu toco para mim, não me tenho como sendo um músico, mas eu vivo para a música, trabalho para os soldados da música, que na verdade, são os músicos, então é tudo.
Isso lhe dando uma explicação bem simples, porque a música transcende tudo, é a arte das artes, é a única que você faz e não consegue pegar, mas o teu coração sente. Música é emoção, e o ser humano é emoção, é sentimento.
2) Na minha visão, acredito ser fundamental, um luthier conhecer um pouco dos instrumentos que fabrica na prática. Você toca um pouco de algum ou alguns instrumentos musicais? E teve banda?
Sérgio Buccini: Tive banda durante um bom tempo, inclusive com este que está aqui (referindo-se ao Giuseppe) e com o meu irmão, era um Power-trio, meu irmão já tinha uma formação bem mais complexa na época, foi ele que me ingressou nisto.
Eu tenho uma formação bem eclética, pois ouço de tudo. Ouço de tudo porque trabalho para gente do sertanejo, do rock, do heavy metal, para a nata do jazz de São Paulo, como Michel Leme, Fernando Corrêa, toda essa gente, então eu vivenciei isso, e tive banda com certeza.
E os instrumentos que eu mais gosto de tocar são a guitarra e o contra-baixo, sempre foram, os meus instrumentos preferidos. Aprendi piano também com a minha mãe, mas não cheguei a exercitar. Meu exercício diário é a guitarra, é o contra-baixo, e o violão. São os instrumentos que eu assumi. As cordas.
Sérgio Buccini e seu grande amigo Giuseppe Lenti-foto tirada por: Luis Roberto T. Costa
3) Em sua mente, você sempre quis ser luthier, ou isto veio em sua vida naturalmente?
Sérgio Buccini: Acho que as duas coisas. Mas no fundo, a profissão me escolheu. Porque a história é a seguinte: desde que eu tinha banda, quando éramos jovens, existia uma dificuldade muito grande para comprar um instrumento legal, não tinha capital para isso no Brasil, os instrumentos eram muito caros, como são caros até hoje, fato que inclusive me incomoda, porque não deveria mais ser. Mas naquele tempo não existia um instrumento chinês que você pudesse confia e comprar. Não tinha. Você era obrigado a tocar com aquilo que tivesse. E eu me lembro que na época em que nós tocávamos, que nós tínhamos a banda, nossa banda chamava Magma, eu precisei tocar contra-baixo, tinha meu irmão Fernando na bateria, o Giuseppe Lenti na guitarra. No início eu tocava guitarra, mas quando o Giuseppe veio para o Brasil (ele é Italiano) e manifestou a vontade de tocar conosco, o Giuseppe tocava muito mais guitarra do que eu, e nós não tínhamos um contra-baixista, então...... “eu vou fazer aparte do contra-baixo, vamos segurar a onda”, e eu comprei aos pedaços, de um colega meu na escola, uma coisa que parecia ser um contra-baixo (risos), e eu reformei todo ele e nós passamos a tocar com aquilo lá, e nunca mais parou. O fato é que nunca mais parei de fazer isso, eu continuei fazendo isso, mas neste período, não era profissionalmente. Minha formação acadêmica é publicidade, trabalhei muitos anos com a publicidade, mas com a parte da música dentro dela. Depois recebi convite para trabalhar com confecção, mas nesse meio, eu já tinha amigos que me procuravam para acertar os instrumentos deles, então eu percebi que era inevitável; o caminho já havia me escolhido e a profissão já tinha me escolhido. Quando eu percebi isso, criei uma oficina pequena que seria um laboratório. Eu trabalhava de manhã bem cedo até mais ou menos umas duas da tarde na confecção, voltava pra casa, entrava na oficina umas 3, 3 e meia e só saia umas 10:30, 11 horas da noite. Durante cinco anos eu fiz esse laboratório, antes de por a mão em um instrumento de um cliente para ganhar dinheiro com isso. Durante cinco anos eu fiz laboratório, ou seja, criava, desmontava, fazia, construía, desmontava de novo, acertava os instrumentos dos amigos, mas, tudo sem cobrar. Ou seja, era importante pra mim me sentir forte o suficiente para chegar no mercado e falar: “Estou preparado”. Isto é uma escola empírica. Esse ofício nosso não é como uma faculdade de engenharia, uma ciência exata, não é como uma escola de medicina. É um aprendizado autodidata. É como um artista, é uma arte. Envolve “n” ciências, matemática, física, um pouco de química, muito conhecimento sobre madeira; muito! Eu dou muita risada quando o pessoal vem aqui e começa a falar sobre madeira, não no sentido sarcástico da coisa, mas eu percebo que as pessoas tem uma noção muito superficial daquilo que estão falando, mas acreditam que conhecem bastante. A madeira é um elemento natural de comportamento absolutamente instável, mesmo para quem conhece muito. Quem conhece sabe do que estou falando.
Na verdade eu fiz esses cinco anos para me fortalecer, antes de por a mão profissionalmente, antes de cobrar por um trabalho.
Ser um luthier é como ser um pintor; você não aprende a ser um pintor clássico ou um impressionista em uma escola. Você até pode fazer uma escola, mas ou você é, ou você não é. É como cantar. Você pode fazer uma escola para aprender a cantar, você vai trabalhar a sua voz, a sua postura, mas tem pessoas que... possuem uma voz que vêm de um outro lugar. É arte, é dom. Ponto.
4) Com quem aprendeu esta arte?
Sérgio Buccini: Deus. Fui desenvolvendo sozinho, sob a supervisão de Deus.
5) Tem algum luthier que você se inspirou?
Sérgio Buccini: Tem dois nomes... que eu tenho respeito profundo... na verdade são mais de dois nomes. Um é Antônio Stradivari, que foi um grande mestre e tem um histórico de “grande mestre”, é um marco, um ícone.
A família Guarnieri da Itália, contemporânea a escola de Cremona, e todos os grandes nomes de guitarra, de fabricantes de guitarra dos EUA. Eles são oriundos de famílias de luthiers. O que o nosso mercado se esquece é isso. As fábricas não nasceram em um estalar de dedos: “Vamos fazer uma fábrica de guitarras”. Eles eram todos luthiers que se tornaram fabricantes, fora os que se mantiveram como luthiers. Um outro nome que eu posso citar, pelo qual eu tenho uma profunda admiração, é Leo Fender. Absolutamente genial, assim como seu sócio. Uma outra pessoa é o Les Paul.
E aqui no Brasil, um grande amigo meu, chamado Seiji Tagima, que merece todo o respeito que o mercado puder dar por ele, porque muita gente bebeu da água dele. Então, esses são os nomes que eu gostaria de citar, até por questão de justiça.
6) E você ensina lutheria?
Sérgio Buccini: Não. Não estou apto a ensinar. Ainda tenho muito que aprender. Pra você ensinar, você precisa saber além do que você precisa pra você. É uma coisa muito mais séria do que se pode imaginar. E eu não acredito nisso. Eu acredito na coisa que é nata. Que vem de dentro da pessoa. Quando eu encontrar alguém que tenha a mesma vontade que eu tive de aprender, eu não vou ensinar essa pessoa, vou mostrar como eu faço no dia-a-dia, e ela vai aprender sozinha. Porque eu não acredito muito em outra forma.
7) Conte-nos um pouco sobre o início de sua carreira musical já como profissional.
Sérgio Buccini: É aquilo que eu disse para você. A gente resume a coisa da seguinte forma: agradecimento a Deus, porque Deus me concedeu o dom de poder seguir este caminho.
Eu fui muito entusiasmado por um cunhado meu de nome Roberto, que me incentivou muito a começar, Deus me deu toda a força e todo apoio, meu pai me incentivou muito, abriu espaço para eu trabalhar, e eu larguei a confecção depois de 5 anos de laboratório abruptamente e parti para a luta. Deus me ajudou muito e os amigos para quem até então eu trabalhava gratuitamente me trouxeram os primeiros clientes. E aí o que eu fiz? Sempre procurei ser correto, honesto, limpo, decente, tratei os instrumentos como os trato até hoje, com amor e carinho, e vivo disso, de indicação. Um indica para o outro. O melhor trabalho que você pode fazer, o melhor marketing, a melhor propaganda que você pode fazer é trabalhar direito. Não existe coisa melhor do que isso. Quem quer um trabalho decente e está disposto a ouvir a verdade sobre seus instrumentos, pode vir aqui. Que a gente tem tudo para dar.
8) Quem já regulou instrumentos com você? Você poderia citar alguns nomes?
Sérgio Buccini: Eu não vou dizer pra você o nome de todas as pessoas que passaram por aqui, porque passaram quase todos os grandes guitarristas de São Paulo. Até certo ponto, acho que a gente não deve se utilizar muito destes nomes, não acho que seja uma coisa muito ética nos utilizarmos destes nomes para conquistarmos mais clientes, o mercado sempre objetiva isso, mas eu acho que isso não é uma coisa que cabe muito bem no meu perfil profissional. Mas eu posso dizer, por exemplo, que algumas pessoas, como o próprio Michel Leme, inclusive, tornaram-se grandes amigos. E este é o meu principal objetivo. Se tem um nome que eu gostaria de citar neste momento é o do Michel Leme. Primeiro porque ele é um expoente da música no Brasil, não só como excelente guitarrista, ele é um músico completo e um virtuose, totalmente autodidata e com um conhecimento técnico maravilhoso. Mas se eu tivesse que citar o nome de alguém, eu preferiria citar o Michel Leme, porque eu devo muita coisa para ele, não no sentido material, porque o Michel tem um respeito muito grande pelo meu trabalho, e o respeito que ele tem pelo meu trabalho me trouxe muita coisa boa aqui pra dentro, não falando de dinheiro, mas de relacionamento, de enriquecimento espiritual. Então se eu tivesse que citar um nome e por uma coroa em alguém seria nele. Por justiça também. Eu sugiro que você faça uma entrevista com ele, e você não vai conhecer só um músico completo, brilhante, e de muito respeito e de muito peso, mas também um ser humano fantástico. Isto é o que deve acompanhar o artista.

E no sentido de uma parceria ou uma sociedade? (Complemento/Entrevistador)
*Sérgio Buccini: Não, nunca. Faço questão de dizer que nunca tive discípulo, sempre trabalhei sozinho. Nunca tive funcionário. Andei lendo na internet de algumas pessoas que se dizem discípulos de Sérgio Buccini, então quero deixar bem claro que isto não é verdade. Se a pessoa escreveu isso, o fez por conta própria. Que isto fique bem claro (risos).

9) Conte-nos como é, em detalhes, a construção de um instrumento musical, e como é seu procedimento neste sentido. Como é fazer um instrumento musical seu?
Sérgio Buccini: É um parto. É um filho. Cada instrumento que você faz é um filho. É como se fosse uma cria sua. Cada um é único. Como eu faço tudo à mão, cada um é único mesmo. Eu tenho todo um esquema para repetir operações mecânicas, mas cada instrumento é único. Por quê? A primeira coisa que eu faço quando uma pessoa vem pedir um instrumento para mim é perguntar o que ele toca. Não importa o que ele toque. Eu conheço desde o que aconteceu lá atrás até o que acontece contemporaneamente. Até a banda dos garotos de 12, 13 anos eu sei qual é. Eu conheço, eu tenho esse interesse. Eu nunca me acomodei em cima apenas das coisas que eu gosto de ouvir, eu parti para ver as coisas que os outros gostam de ouvir também, e me surpreendi com coisas maravilhosas, muito boas, muito legais. O importante é você saber se manter jovem. Isso é muito importante. A segunda coisa que eu pergunto é o que ele espera que o instrumento traga para ele. A terceira coisa que eu pergunto é se ele está preparado para ter um instrumento feito à mão. Porque para a pessoa ter um instrumento feito à mão é preciso que tenha antes passado pela experiência de ter alguns bons instrumentos do mercado, para diferenciar o que eu vou dar para ele. Eu costumo dizer que eu faço carro de corrida. Ela precisa saber diferenciar; qual a diferença de um instrumento do Sérgio Buccini de um similar americano feito em série? Pra você saber a diferença você precisa ter tido o feito em série, por melhor que ele seja, porque quando você for pegar o meu, você vai entender a diferença. E só há um motivo, para mim como luthier, só há um motivo para uma pessoa chegar aqui e encomendar um instrumento para mim; não pode ser vaidade, e também não pode ser porque é mais baratinho do que um instrumento que ele queria comprar no mercado e não conseguiu. Cada instrumento tem o seu peso e o seu valor. Só vale para mim se ele entender que ele está levando o diferencial, isso para mim é o que mais vai importar. O que nós vamos trabalhar para ele é isso, o diferencial. Eu não vou fazer uma cópia do que tem no mercado. Eu vou fazer uma coisa melhor até do que ele poderia comprar no mercado, e por menos do que ele pagaria no mercado. Mas ele precisa ter ciência disso antes. Se ele não tem instrumento deste perfil, eu recomendo que ele compre antes este instrumento, e que um dia ele venha e peça pra mim um instrumento meu. Há a necessidade de você ser maduro quando você procura um luthier de verdade. Saber o que você quer. Eu vou te explicar o porquê. Depois que eu faço essas perguntas iniciais para o cliente, eu não falo em dinheiro, não aceito adiantamento. Talvez eu seja o único luthier do Brasil que não trabalha com o dinheiro do cliente. Acho certo pedir o adiantamento, mas eu não peço. Porque eu quero ter a liberdade de criar. Se eu tiver com o dinheiro dele no meu bolso, ele vai me ligar para cobrar se está pronto. Eu não trabalho sob pressão em cima dos meus instrumentos. Eu tenho prazo para cumprir em cima das clínicas, mas quando eu crio um instrumento meu, eu não admito pressão. Eu estou criando, eu tenho que ser espontâneo. Eu vou dizer que está pronto quando eu achar que está pronto. Segundo: quem vai escolher a matéria prima para produzir o instrumento sou eu, porque eu já desenvolvi durante muitos anos, todo um caminho de escolha de madeiras especiais para dar aos meus clientes aquilo que na verdade eles precisam. Eu vou para o atelier, eu vou escolher o bloco que representa o corpo, o bloco que representa o braço, previamente guardados em estufa artificial por no mínimo 5 anos, vou ouvir, vou timbrar essas madeiras com diapasão, vou ver quanto demora esse som vibrando nesse corpo, quanto tempo demora esse som vibrando nesse bloco para o braço, nesse bloco para o corpo, “Ah, isso é o ideal para o fulano”. Separo isso e vou começar a trabalhar isso para ele. No dia em que ele vier retirar o instrumento, eu vou dar o instrumento que eu fiz para ele. Se ele achar que os timbres são aqueles, que a sustentação do instrumento é aquela que ele queria, e que eu acertei na escolha, ele começa a me pagar. Mas até hoje eu te digo que não falhou um. É assim que a gente tem que trabalhar, ou melhor, é assim que eu gosto de trabalhar. É assim que eu gosto. Quando você procura por um médico, você não diz para ele qual é o remédio que ele tem que te dar. Você entrega o seu problema na mão dele, e ele entrega a solução para você. Quando você quer alguma coisa, peça para mim, e eu vou separar pra você a madeira que fica boa, e não é o cliente que tem que escolher. Para o cliente escolher qualquer coisa, ele teria que conhecer tanto quanto eu, ou talvez até mais do que eu... Mas aí ele não precisaria vir até aqui (risos). E tem outro detalhe, a coisa é profunda. Existem diferenças. Cada artesão... é aquilo que eu lhe falei anteriormente, por isso não acredito nessa coisa de “eu te ensino e você fica igual a mim”, tem o seu caminho. Cada um tem a sua forma, e sua fórmula de trabalhar. Nós somos meio que feiticeiros, vamos dizer assim. É aí que more talvez o grande segredo da profissão, porque a base da nossa profissão é muito conhecimento de botânica, de física, de matemática, um pouco de química, mas, nós temos as nossas mágicas, as nossas fórmulas para resolver as coisas. É isso.
Guitarra-foto promocional
10) Quais tipos de guitarras você fabrica?
Sérgio Buccini: O mercado escolheu isso para mim. Eu fabrico as guitarras de corpo sólido. Eu não faço as acústicas porque... como posso explicar... eu poderia fazer as acústicas, mas o mercado não saberia valorizar financeiramente este trabalho. Lá fora guitarras do tipo, feitas por um luthier, custam 5 mil dólares no mínimo, e tem as que custam 40 mil também... E aí quando você apresenta a conta de um instrumento acústico para a pessoa, ela sai e compra um coreano de 1.600 reais. É a mesma coisa? Não é. Nós sabemos que não é. Porque é aquilo... Nos EUA você encontra uma guitarra custando 5 mil dólares e outra 480 com o mesmo perfil. Por que no Brasil como analogia, uma guitarra custa 8 mil, 13 mil, nove mil, e a outra com o mesmo perfil, com a mesma pintura, custa 1.400 reais? Será que elas são iguais? Óbvio que não, porque senão elas custariam à mesma coisa (risos). E isso acontece aqui dentro. Então eu optei pelo caminho do “solid body”, então, eu faço as guitarras e contra-baixos estilo “solid body”. Eu não faço cópias, eu faço a coisa no estilo que as pessoas gostariam de ter.
11) Você fabrica outros instrumentos além de guitarras?
Sérgio Buccini: Não. O contra-baixo e a guitarra são o meu nicho. Fabricaria até um violino se eu quisesse, sem problemas. Tenho projetos de algumas outras coisas para daqui uns 10 anos, mais ou menos por aí, num espaço que eu estou preparando para mim no interior de São Paulo. Mas não é coisa pra já. É coisa que se Deus permitir vai acontecer lá na frente, mas primeiro, Deus precisa querer.
Guitarra e contra-baixo, isto é o meu forte.
12) Faz os captadores também?
Sérgio Buccini: Faço os captadores também.
Há cinco anos eu parei de usar os captadores de mercado. São bons, mas passei a fazer isto para os meus instrumentos. Isso cria um diferencial também, e não tenho ninguém infeliz com aquilo que eu fiz até hoje. Pelo contrário, o pessoal aceitou de uma tal forma que eu passei a fazer captadores para instrumentos de mercado. Aí já é uma outra forma. Porque aí eu produzo segundo o instrumento que a pessoa me traz. Se a pessoa me traz um corpo de Ashe com braço de Maple eu vou trabalhar para cobrir as deficiências e realçar as qualidades do instrumento dele. Se o outro me traz um instrumento de Basswood com Softmaple eu vou trabalhar mais para compensar as fraquezas desse instrumento e enaltecer as qualidades dele. Já é um trabalho diferente do que eu faço para com os meus instrumentos. Para indicar um captador de mercado você precisa conhecer muito sobre madeira para indicar o melhor para o seu cliente. Eu respondi essa pergunta durante muitos anos nas revistas especializadas para as quais trabalhei. Recebo telefonema de cliente direto, cinco, seis vezes por dia: “O que eu compro?” (risos). Indicações eu faço todos os dias. Se eu tivesse que ganhar comissão das grandes marcas do mercado... (risos)... Aliás, os lojistas e distribuidores de peças e acessórios de São Paulo devem muito aos luthiers dessa nossa cidade aqui, porque se eles vendem o que vendem, muito é por causa das nossas indicações, e a gente não ganha nada (risos). O que a gente ganha é a alegria do cliente, a gente ganha com o benefício que a gente presta ao cliente.
13) Qual é a sua emoção quando você termina a construção de um instrumento musical seu? Descreva este sentimento aos nossos leitores.
Sérgio Buccini: É como ver o seu filho dar os primeiros passos. Exatamente a mesma alegria, que se repete várias vezes. Não tem dinheiro que pague, por mais bem pago que seja o instrumento que você fez, a sensação que a gente sente quando a gente olha para cara da pessoa e ela está tocando com aquele sorriso estampado no rosto. Você vê tudo fluindo. Através daquele sorriso tem um monte de coisas fluindo de dentro da pessoa. O Brasil precisa conhecer melhor o trabalho dos luthiers que têm. O Brasil ignora os trabalhos dos luthiers que têm! Precisa conhecer melhor e respeitar melhor. Acabar o preconceito. Leia a matéria que eu pus no blog do Michel Leme, www.michelleme.com, leia a matéria de Sérgio Buccini e você vai entender tudo o que eu estou falando.
14) Na média, quais são os instrumentos musicais melhores que chegam em suas mãos?
Sérgio Buccini: Eu acho assim. Você tem instrumentos americanos muito bons, instrumentos europeus muito bons, canadenses muito bons, instrumentos feitos em Taiwan, na China, bons, japoneses também muito bons. Eu costumo dizer que o instrumento na verdade ele é ou não é, independe do logo. Porque as qualidades do instrumento não saem do logotipo, elas saem de um conjunto bem feito, desde a escolha da madeira entre corpo e braço, e uma construção primorosa. Isso você pode encontrar em todas as marcas que estão no mercado, desde uma marca feita na China, Coréia, Europa...
Entre os instrumentos nacionais creio que os melhores são os instrumentos de luthiers, os instrumentos de autor, como eu costumo dizer. Pra mim são os melhores. Na minha opinião.
15) Você acredita que existe um instrumento musical perfeito? Ou isto é muito subjetivo?
Sérgio Buccini: Eu vou ter responder com uma outra pergunta. Existe algum homem perfeito? Não. Então, por conseqüência não existe um instrumento perfeito. Nós estamos em busca da perfeição, e como vêm da mão do homem, reflete aquilo que o homem é. O instrumento que eu faço atualmente... O instrumento que eu vou fazer daqui a cinco anos não será igual ao que eu faço hoje. Não quer dizer que o que eu faço hoje não seja bom...
A graça da nossa vida é a busca pela melhora, o desafio pela melhora.
O budismo tem uma teoria, que é a “Teoria da Impermanência das Coisas”. Para o budismo, nada fica igual para sempre, tudo vai se transformando, e Jesus já dizia isso: “só Deus não muda”. Então, é muito natural que a gente vá evoluindo.
Então, não dá pra dizer: “este instrumento é perfeito”.
Existem somente dois tipos de instrumento: o que deu certo e o que não deu certo. Não é nem o bom e o ruim. É o que deu certo e o que não deu certo. Independendo da marca e do quanto ele custa. Pode ser uma super grife ou de uma grife que não diz absolutamente nada, e os dois podem ser muito bons. O timbre, o sustain, a tocabilidade do instrumento não vem do nome que está lá. O nome que está lá provavelmente vem de uma família de luthiers que fez aquela fábrica. O som, a riqueza deste instrumento não vem de um nome, de um logotipo, de um selo.
Ah, e muito importante também é a “máquina” que fica atrás do instrumento (risos)... Faz muita diferença! (risos) O músico!
Os músicos precisam se cobrar menos na hora de tocar. Não precisam mostrar serviço. Os músicos precisam relaxar mais, ser músicos. Menos técnicos e mais músicos. Deixar a música fluir. Técnica é boa para sala de aula, quando você está lecionando música, mas quando você está fazendo música, solte seu espírito. É daí que flui a música.
Baixo-foto tirada por: Luis Roberto T. Costa
16) Uma curiosidade aos nossos leitores. O que você gosta de ouvir?
Sérgio Buccini: É meio chavão eu dizer que ouço de tudo, mas eu gosto de ouvir tudo... O country, o jazz, o sertanejo... “o verdadeiro sertanejo”, que eu gosto de chamar de música caipira, pois tem uma essência de brasilidade fortíssima em cima desse estilo e eu o amo de paixão porque lembra a minha infância.
Nós temos excelentes violeiros no Brasil nas escuras, nós precisamos por luz em cima dessa gente..
Também gosto da música brasileira, das pessoas que fazem música brasileira, gosto muito disso tudo.
Agora, é óbvio, eu sou uma pessoa assumida: o que me levou ao mundo da música foi o rock’n roll, que é a música que eu mais gosto de ouvir. Isto não significa que eu não goste de outros estilos inclusive a música erudita, a música clássica.
17) Qual foi o show mais marcante que você assistiu em sua vida?
Sérgio Buccini: Ao vivo? O mais marcante foi ao ar livre, no Parque da Aclimação, debaixo de chuva. Era um sábado chuvoso, nós debaixo de chuva assistindo Mutantes, Tim Maia e Raul Seixas, no mesmo dia, um atrás do outro, e filmado pela Rede Bandeirantes. Eu devia ter uns 16 anos... Pra mim foi bárbaro, a coisa mais incrível que eu já vivi. É história que as pessoas esqueceram. Hoje em dia pra assistir qualquer banda você paga 20 paus só de estacionamento, mais 70 pra sentar lá no fundo pra ver o carinha lá de longe, ou o telão (risos)... Antigamente nós tínhamos shows de graça com esses talentos que eu citei pra você. São nomes de peso que fizeram a música brasileira acontecer, e foi absolutamente de graça.
18) Você chegou a ser técnico de guitarra pra algum músico em alguma turnê? Se sim, conte-nos como foi.
Sérgio Buccini: Não, nunca. Nem quero (risos).
19) Você poderia nos contar algum fato inusitado durante alguma turnê?
Sérgio Buccini: Como eu disse, nunca participei de nenhuma turnê.
20) Sérgio, obrigado por ter cedido um pouco do seu tempo nos concedendo esta entrevista. Deixe aqui, um recado especialmente aos nossos leitores.
Sérgio Buccini: O recado que eu quero dizer para as pessoas é o seguinte: a música é um grande caminho. E que leva você a se socializar de uma maneira diferente. Você se socializa com emoção. Você só faz grandes amigos e a prova viva é ele aqui (apontando para o Giuseppe). Eu o tenho como um irmão. Quando ele chegou... O Giuseppe é nascido na Europa, na Itália, e antes de vir para o Brasil ele morava na Argentina. E a música me deu o Giuseppe como irmão. Meu irmão de sangue, que era o nosso baterista, querido Fernando, e era um dos melhores de São Paulo na época em que tocávamos, Papai do Céu levou em um acidente. Mas deixou esse cara aqui como um grande irmão. E essa é a prova viva do que a música pode fazer na sua vida. Ela te traz amigos, e quem tem amigos nunca está sozinho. E que as pessoas tenham sempre muita humildade, que a música requer isto, o artista de uma forma geral requer isto. Humildade. Talento sem humildade tem vida curta. Acaba na obscuridade. Todos nós precisamos uns dos outros. O Sérgio Buccini não é nada se não tiver as pessoas que acreditam nele e vêm aqui. Desde os grandes nomes até os meninos que estão começando a tocar sentados na cama de noite quando chegam da escola. Eu vivo graças a eles. Vivo da indicação que os outros fazem do meu trabalho. E a gente não é nada sem Deus e os outros, um de mãozinha dada com o outro. Ninguém caminha sozinho. Isso é a prova do que te falei: quem tem amigos prossegue. E desejo muito sucesso para o site de vocês, que vocês cresçam muito, com gigantes suportes e grandes alicerces, e que essa idéia possa criar raízes e gerar outras coisas, porque o Brasil precisa muito de iniciativas positivas como a de vocês. Ah, e deixo aqui um agradecimento especialíssimo ao Márcio Falchet e ao pai dele, Pedro, que são pessoas de bem, pessoas de Deus, e que me apresentaram vocês do Musical Sun. Gostaria muito que vocês publicassem este agradecimento a eles. Eles são pessoas que seguem pelo caminho do bem e merecem seu lugar ao sol, valorizados.
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